OBSERVATÓRIO - Silenciamento, superficialidade e falta de apuração na cobertura dos portais locais

Tarcízio Macedo (PPGCOM/UFPA)
Rebecca Lima (PPGCOM/UFPA)
Juliana Costa Theodoro (MECC/U.PORTO)


O segundo boletim de monitoramento dos portais de notícia, que dá continuidade ao trabalho iniciado no primeiro levantamento, compreende o período de 12 de novembro até 6 de dezembro, momento em que se completa um mês do movimento de ocupação na Universidade Federal do Pará (UFPA). Esta segunda etapa de monitoramento vem ratificar informações já indicadas nas observações sobre a primeira semana da cobertura dos portais, marcada pela timidez, falta de apuração nos espaços de realização do movimento – que alimenta o chamado “jornalismo de gabinete” –, com consequente perda de diálogo com os sujeitos que vivenciam as ocupações. O resultado da ausência de princípios básicos da prática jornalística, seja da apuração ou de acompanhamento sistemático dos protestos, leva a uma repetição de informações, escassez de novos conteúdos e abordagens, reprodução de matérias publicadas em outros meios, notícias sem continuações ou desdobramentos e até mesmo o silenciamento, invisibilização e criminalização das manifestações contra a PEC 55/241 no Pará.


G1 Pará: matérias frias

No período mapeado nesta etapa, que compreende 24 dias, o portal de notícias G1 Pará, do grupo de comunicação das Organizações Rômulo Maiorana, publicou 12 matérias que abordam a PEC 55 e suas questões transversais, de forma direta e também indireta.

De início, atrai a atenção o fato de cinco, das 12 matérias, serem do G1 Santarém. Sendo duas dessas cinco apenas reproduções, em vídeo, do Jornal Tapajós 2ª edição. Essa quantidade de matérias publicadas pelo G1 Santarém, por serem quase a metade do total de matérias mapeadas neste período, poderia até representar um considerável envolvimento da região na cobertura dos movimentos relativos à PEC. Porém, são as matérias que mais representam o jornalismo considerado “de gabinete”, ao repetir com frequência informações de matérias antigas – através de links, tratamento trivial dos movimentos estudantis e informações superficiais.

A primeira matéria da coleta, publicada no dia 14/11, intitulada “Professores e técnicos da UFPA e UFRA entram em greve nesta segunda”, é factual e, apesar de curta, esclarece os motivos do movimento de ocupação, ao trazer o depoimento da diretora geral da Adufpa (Associação dos Docentes da UFPA), Sandra Helena Cruz. Apesar do tom neutro em que foi escrita, a matéria dá oportunidade para o movimento mostrar-se positivamente. 

Outra matéria que segue o mesmo perfil foi publicada no dia 24/11, “Alunos da Terra Firme ocupam escola contra a PEC 55”, que se destaca como a que mais forneceu detalhes dentre todas analisadas. Nela, havia dois vídeos reproduzindo matérias do Bom Dia Pará, sendo um feito in loco, que serviram para elucidar de forma aprofundada o motivo da ocupação na escola e a luta estudantil contra a PEC 55. Trouxe depoimentos de quatro alunos, um professor e uma mãe de aluno. Deu ênfase ao esclarecimento dos sujeitos quanto à proposta constitucional e seus possíveis efeitos sobre suas vidas. Mostrou também a situação de sucateamento da escola, que os alunos tentavam amenizar com revitalizações feitas por eles mesmos, enquanto pediam a atenção do poder público.

A partir dessas, as demais matérias demonstram completa superficialidade nas informações, como a publicada no dia 21/11, “Ocupação de estudantes no campus da UEPA, em Belém, entra no sexto dia”. O material reitera deliberações antigas, sem acrescentar novas informações e utiliza foto do próprio movimento de ocupação, evidenciando a ausência de cobertura local. Além de explícita falta de diálogo com estudantes imersos nas ocupações, como a publicada no dia 15/11, sob o título “Estudantes indígenas ocupam unidade Rondon da Ufopa em protesto”, com título difuso, pois em nenhum momento o foco está sob os estudantes indígenas. Estes apenas são mencionados ao final do texto, o que torna a chamada sensacionalista, já que não são adicionadas informações quanto a esse segmento. Em 12 matérias analisadas, apenas três tiveram comentários no portal. Não ultrapassando três comentários em cada uma.

Os textos publicados não têm assinatura, são breves e desinteressantes, além de dificilmente trazerem entrevistas ou depoimentos dos envolvidos. Destacamos também uma matéria curtíssima, publicada no dia 25/11, que demonstra um grande descaso com um tema tão urgente: “Alunos de escola em Ananindeua protestam contra PEC 55”. Factual e com apenas três parágrafos, a matéria sequer menciona o nome da escola. O que mais atrai atenção é que ela foi a única matéria publicada pelo portal no dia nacional de paralisações e greves em protesto à PEC 55 e as reformas trabalhista e previdenciária, quando milhões de pessoas paralisaram as atividades em todo o país. 

Nos últimos dias, o portal abordou as ocupações de forma indireta em suas matérias. Houve duas publicações sobre o ENEM, ambas no dia 3/12, sendo uma do G1 Santarém. Essa traz título confuso (“Em Santarém, 1.418 devem fazer o ENEM adiado neste fim de semana”) e teve como foco auxiliar os estudantes que fariam o exame naquele dia. Tanto no primeiro parágrafo da matéria, quanto no último, evidenciou-se que o motivo para a alteração da data do exame deu-se pelas ocupações, acrescentando ao final do texto um link que direcionava para a matéria que relatava o início da ocupação (3/11) na unidade Amazônia - UFOPA. A segunda, no mesmo dia, “Prova do ENEM que foi adiada é realizada em 11 cidades do Pará”, reportou como ocorreu o primeiro dia de aplicação do ENEM após seu adiamento, em Belém, Altamira, Castanhal, Marabá e Tucuruí. Os momentos em que citou as ocupações tiveram por objetivo justificar o adiamento das provas e algumas transferências de locais que ocorreram, de espaços que ainda estão ocupados e de outros que foram trocados por receio de uma nova ocupação. É relatado que isso prejudicou alguns alunos, contudo, de forma bem amena. Também foi reforçado que alguns alunos aproveitaram para estudar por mais tempo, o que leva a criar uma tensão com os estudantes que fizeram a primeira prova.

A última matéria mapeada, no dia 6/12, é exclusivamente para relatar a denúncia, feita pelos ocupantes da UFPA, sobre constantes atropelamentos a animais dentro do campus. E essa é a única menção que fazem à ocupação.

Conclui-se, deste período destacado, que o portal G1 pouco se fez presente nos espaços do movimento e pouco conversou com os seus sujeitos. Isso pode se traduzir em descaso e falta de empenho, em vez de um fazer jornalístico que preza pela qualidade de informações e pelo envolvimento nas questões sociais. As fontes são poucas, as informações superficiais e bem breves, em sua maioria. Entretanto, as matérias têm tom neutro, desprovidas da intenção de criminalizar o movimento.


ORM News: poucas vozes e muita repetição

Durante os 24 dias do levantamento de conteúdo do Portal ORM News, das Organizações Rômulo Maiorana, identificamos um total de 14 matérias publicadas que se reportam ao movimento e questões que o tangenciam, tanto de forma direta quanto indireta. Metade delas possui abordagem local. As matérias nacionais são reproduzidas de outros veículos midiáticos, como a Agência Brasil, responsável por duas matérias replicadas, o portal G1 nacional, com três reproduzidas, e os jornais O Liberal e O Globo, com uma matéria cada. Essas matérias nacionais não fazem parte deste boletim.
    
Em nível regional, foram encontradas sete matérias, sendo quatro produzidas e publicadas pelo portal, todas consideradas neutras. As outras três foram veiculadas e produzidas pelo jornal O Liberal; há uma neutra e duas contrárias ao movimento de ocupação, apesar de não pertencerem ao escopo deste boletim por não serem produção do portal ORM News.
    
As quatro notícias geradas e divulgadas no portal são as seguintes: “Após protesto, indígenas liberam trânsito na rodovia BR-316”, publicada no dia 18/11, “PEC 55: professores e técnicos do IFPA paralisam atividades”, no dia 21/11, “Servidores do IFPA entram em greve em cinco campi”, veiculada no dia 22/11, e “Servidores do Barros Barreto protestam contra a PEC 55”, no dia 25/11.
    
Em um breve paralelo analítico entre as matérias produzidas pelo portal e pelo jornal O Liberal (as três divulgadas no portal), podemos perceber uma nítida diferença entre as notícias no que diz respeito ao nível de produção e aprofundamento do tema. Enquanto as matérias publicadas no portal e produzidas pelo jornal O Liberal possuem de nove a 12 parágrafos, as notícias criadas pela redação do portal possuem caráter extremamente factual e uma estrutura de dois parágrafos apenas, como a primeira matéria, publicada no dia 18/11 e atualizada às 11h, a segunda, veiculada no dia 22/11, e a terceira, na rede a partir do dia 25/11.  A única exceção é a quarta, publicada no dia 21/11, que possui quatro parágrafos, mas que foi feita com informações de O Liberal.
    
Ao que parece, os jornalistas do portal conseguiram mais alguns detalhes sobre a ocupação apenas repetindo informações obtidas pelo jornal O Liberal, e não com uma visita e apuração nos espaços do movimento para obtenção de novos dados. A apuração junto aos sujeitos que participam do movimento fica distante dos profissionais que produzem matérias para o portal ORM, tal como evidenciado no G1 Pará.

As três notícias mencionadas inicialmente mais parecem notas jornalísticas pelas suas características, como a brevidade do texto para rápida informação. Merece especial destaque a matéria sobre os indígenas, pois coloca vários princípios da prática jornalística em risco. Ela ilustra um título difuso, tal como a notícia publicada no G1 Pará, na medida em que os indígenas sequer são ouvidos pelos jornalistas.

Dos 24 dias mapeados, o portal do grupo Rômulo Maiorana silenciou e invisibilizou o movimento de ocupação por 16 dias e o noticiou nove vezes. O dia 29/11 foi o que apresentou mais notícias sobre o tema, com três matérias. A mobilização do dia 25/11 obteve apenas uma pequena nota jornalística, sem qualquer aprofundamento posterior.

Disposição da nota jornalística publicada no dia 25/11

No que diz respeito à participação do público no portal ORM News, do total de 14 matérias (regionais e locais), não houve nenhum tipo de comentário. A matéria que obteve maior número de compartilhamentos (68) na rede social digital Facebook foi a publicada no dia 28/11, reprodução do jornal O Liberal. Das matérias produzidas pelo portal, a que obteve maior número de compartilhamentos (21) foi a quarta veiculada, no dia 25/11.

Quanto às fontes utilizadas, são quase só fontes oficiais. A exceção está na matéria que contou com informações do jornal O Liberal, uma fonte secundária. Na matéria sobre os indígenas, vale ressaltar ainda um trecho da redação da ORM News sobre o objetivo dos indígenas no protesto na BR-316: “Segundo informações da PRF (Polícia Rodoviária Federal), o grupo está denunciando as péssimas condições dos programas de saúde indígena”, tal postura silencia e deixa de ouvir um sujeito importante no processo em detrimento de informações de uma fonte oficial.

 Falta de diálogo com movimentos é constante na cobertura do portal ORM News
    
Por fim, concluímos que, em geral, há uma repetição de informações e, quando são novas, acabam dispostas sucintamente e sem grandes aprofundamentos. Existe ainda uma carência de vozes, sobretudo de fontes testemunhais e de especialistas. As matérias com informações mais elaboradas ainda permanecem geralmente como um trabalho dos jornalistas de impressos, como O Liberal que, aparentemente, possui seu conteúdo reproduzido no portal, quando não é fonte secundária para produção de notícias com um pouco de acréscimo de informações já utilizadas.


DOL: persiste “jornalismo de gabinete”

O Diário Online, pertencente ao Grupo RBA de Comunicação, de 12 de novembro a 6 de dezembro, publicou a mesma quantidade de matérias do portal ORM News. Ao todo, 14 textos, que de forma direta ou indireta citam as ocupações das escolas e universidades no Brasil.

Das 14 notícias, quatro possuem abordagem nacional, que ou foram replicadas de outros portais e agências de notícia, como Agência Brasil e Folha Press, ou ainda são escritas pela redação do DOL com informações retiradas desses outros veículos midiáticos (por exemplo, “Pai mata filho por discordar de apoio a ocupações”, notícia de Goiânia), como percebido nos portais G1 Pará e ORM News.

Em âmbito regional, identificamos 10 notícias sobre a temática (o inverso do que foi percebido no portal ORM News), das quais oito podem ser consideradas neutras. As duas matérias restantes se mostram contrárias ao movimento estudantil, de servidores e professores. Essas notícias intitulam-se “Funcionários do Barros Barreto cruzam os braços”, publicada no 25/11, e “Estudantes entram em conflito em escola ocupada”, do dia 23/11.

DOL: "Policiais em várias viaturas acompanham a movimentação 
na frente da escola. Clima é considerado tenso"


A primeira traz em seu título (e depois novamente no corpo do texto) a expressão “cruzar os braços” para o ato de paralisação dos funcionários do Hospital Universitário João de Barros Barreto em protesto contra a PEC 55. Ainda nessa notícia, o último parágrafo traz a informação de que a equipe do portal de notícias entrou em contato com o Hospital Universitário para esclarecimentos, entretanto não é explicitada a resposta do Hospital.

DOL: "Funcionários do Barros Barreto cruzam os braços"


A segunda notícia destacada aborda um protesto de estudantes da Escola Brigadeiro Fontenele contrários à ocupação da Escola. É relevante ressaltar o trecho em que o DOL informa sobre os estudantes contrários às ocupações, que participavam do protesto na companhia dos pais, evidenciando um caráter mais familiar e responsável a esta manifestação.

Dos 24 dias pesquisados, em 12 houve notícias sobre as ocupações e nos outros 12 o movimento foi silenciado. Nesse período, os dias 25/11 e 16/11 foram os que apresentaram mais notícias sobre o tema, com duas matérias cada. Dia 25 ocorreu a paralisação dos funcionários no Hospital Barros Barreto (notícia destacada acima) e o fechamento dos portões da UFPA por estudantes e servidores (Notícia: “Manifestantes fecham acesso à UFPA”). Já no dia 16/11 ocorreu o anúncio da greve dos servidores e professores do IFPA contra a PEC 55 e outras medidas do Governo Temer (“Professores e técnicos do IFPA anunciam greve”), e foi publicada a notícia nacional sobre o pai que assassinou o filho em Goiânia (acima destacada).

DOL: "Docentes, técnicos e alunos decidiram por larga maioria pela greve" 
(Foto: Divulgação)
 
Com relação à participação do público no Portal, feita por meio de comentários, somente uma notícia das dez mapeadas não apresentou comentário, as demais apresentaram, em maior parte, comentários negativos a respeito dos estudantes, servidores e funcionários protestantes e também sobre a seriedade das ocupações.

Sobre as fontes utilizadas pelo portal em suas matérias: das dez matérias regionais, em três não foi possível identificar as fontes; quatro foram publicadas com auxílio de outros veículos do grupo RBA de Comunicação (sendo duas replicadas do Jornal Diário do Pará e duas escritas com informações da RBA TV e do Diário do Pará); as outras três foram produzidas somente pelo DOL, utilizando em uma fontes primárias e secundárias, nas quais se identificam os indivíduos falantes; em outra uma fonte primária, mas sem identificá-la como indivíduo; e na última notícia foi usada uma fonte oficial.

Em conclusão, percebe-se que a cobertura feita pelo DOL das ocupações estudantis tem sido superficial, com notícias factuais e pouco esclarecedoras sobre as reivindicações do movimento. Também é notório, por meio das fontes utilizadas, que os jornalistas do DOL pouco estiveram presencialmente nas ocupações. Apesar disso, o conteúdo produzido sobre o movimento, em sua maioria, é neutro.

***

As matérias publicadas pelos portais G1 Pará, ORM News e DOL revelam a falta de importância dada a um momento tão dinâmico e tão decisivo como este. Há um enorme silenciamento e invisibilização do movimento de ocupação das instituições de ensino superior do Pará na cobertura local. Uma recorrente falta de debate com os atores envolvidos gera ainda uma problemática que não corresponde a uma multiplicidade de vozes e versões dos fatos noticiados e, sobretudo, a carência de aprofundamento de dados talvez justifique a falta de interesse do público. 

Em 40 matérias levantadas durante 24 dias, há baixos índices de participação e prevalecem informações factuais. As matérias com mais informações e produção ainda são destaque de jornais impressos ou televisivos que possuem seu conteúdo meramente reproduzido ou adaptado para os portais de notícias, em muitos casos servindo de fonte para produção de matérias nos portais, repetindo informações já veiculadas nesses outros meios. A maioria dos conteúdos publicados e produzidos pelos portais possui caráter neutro, indicando certa indiferença do veículo para com essas questões, mas, também em alguns casos, até criminalizando o movimento.

O jornalismo praticado nos referidos portais, longe do ideal que deveria ser, resume-se a uma mera nota jornalística que, não raro, sequer consegue responder a perguntas essenciais do lead. O jornalismo de “gabinete”, tal como apontado no primeiro relatório da cobertura local, permanece como prática do jornalismo em rede nesses portais, apontando para uma carência de apuração e acompanhamento sistemático dos protestos.
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