OBSERVATÓRIO - “Jornalismo de gabinete” marca cobertura dos portais locais
Aline Freitas (PPGCOM/UFPA)
Ana Caroliny Pinho(PPGCOM/UFPA)
Rebecca Lima (PPGCOM/UFPA)
Elaide Martins (FACOM/PPGCOM/UFPA)
A primeira semana de monitoramento compreende o período de 7 de novembro, marcado pela Assembleia Geral dos Estudantes da UFPA, a 11 de novembro, o Dia Nacional de Greve, marcado por protestos contra a PEC 241/55 em todo o país. No Pará, a cobertura dos portais durante esse período foi bastante tímida, marcada pela falta de apuração in loco, que dá lugar ao chamado “jornalismo de gabinete”. O resultado da ausência de apuração e de acompanhamento sistemático leva à informação escassa e repetida, notícias desencontradas e até mesmo à criminalização das manifestações contra a PEC 241/55.
G1 Pará: Pouca informação e excesso de repetição
No G1 Pará, a matéria intitulada “Em assembleia, alunos da UFPA debatem possibilidade de ocupação” foi publicada às 18h38 do dia 7/11 e atualizada às 18h42, porém por volta das 17h30 os alunos já haviam decidido pela adesão ao movimento de ocupação, apontando para uma provável falta de cobertura local. Por meio de um texto breve, com duas fotos e nenhum personagem, a matéria cita alunos a favor e um grupo contra e uma nota oficial da universidade reconhecendo a legitimidade das ocupações e posicionando-se contra a PEC. Porém, o portal não fornece detalhes da PEC. Às 19h22, com atualização às 19h36, o portal publica a notícia “Alunos da UFPA iniciam ocupação em campus de Belém”, informando que são “já são 13 instituições ocupadas no Pará” e reproduzindo praticamente todo o texto anterior, inclusive a nota da UFPA, mas com uma fotografia nova.
É interessante observar que a seção Saiba Mais, nessas matérias, foi preenchida apenas pelo link Enem é adiado em 12 locais do Pará por ocupação de estudantes, publicada originalmente no dia 1/11 e atualizada no dia 5/11, mas associada ao movimento com um viés criminalizador.
Mesmo com a ocupação da UFPA deflagrada no dia 7, somente no dia 10, às 19h28 com atualização às 19h52, o G1 PA publicou mais uma notícia sobre o movimento: “Professores e técnicos da UFPA anunciam greve, em Belém”. Além de citar novamente, pela 3ª vez, a nota oficial da UFPA, o portal finalmente apresenta uma fonte, a diretora-geral da Associação dos Docentes da UFPA (ADUFPA), Sandra Helena Cruz. No entanto, detém-se ao posicionamento oficial da ADUFPA e não ouve representantes dos técnicos. Assim como os demais, foi um texto curto, sem detalhamento sobre as ocupações e PEC e sem assinatura. Na seção Saiba Mais havia o link para: Alunos da UFPA iniciam ocupação em campus de Belém. Apesar do Dia Nacional de Greve marcado para o dia 11, não encontramos nenhuma outra notícia sobre o movimento neste dia.
Na sexta, dia 11/11, duas outras notícias sobre o assunto: “Escola de Aplicação da UFPA é ocupada por estudantes em protesto”, publicada às 00h19 e atualizada três minutos depois, e “Estudantes protestam contra a PEC 55 em Soure, na ilha do Marajó”, publicada às 09h47 e atualizada às 09h51. Na primeira, mais uma vez, o portal aborda superficialmente a PEC e atualiza o número de instituições ocupadas (14). Sustenta-se, apenas, em informações de ações realizada no dia 9/11, na ocupação da Escola, e no dia 10/11, focaliza a assembleia, em que“foi decidido que as atividades e projetos marcados antes da ocupação serão realizados normalmente. Os alunos vão dormir na unidade e durante o dia promoverão atividades e debates”. Na Saiba Mais, repetiram-se os dois links anteriores. Essa abordagem superficial aliada à exploração de fatos passados em um dia em que as paralisações tomaram conta do país, nos leva a perceber ausência de cobertura in loco. Na segunda matéria do dia 11/11, o texto foi ainda menor, também baseado em um fato passado, do dia 10/11. Trata-se de uma reprodução de um vídeo da TV Liberal (pertencente ao mesmo grupo), enviado por um telespectador.
Em toda a semana, a cobertura foi parca, superficial, sem aprofundamento dos fatos, sem diversidades ou com quase ausência de fontes e sem acompanhamento do movimento em si. Das quatro fotografias utilizadas nessas matérias, apenas uma tinha o crédito do G1 Pará, outra assinada por pessoa física e duas eram de perfis em redes sociais, sendo uma do UfpaLivre e outra do Ocupa EAUfpa - NPI, levando-nos a perceber, mais uma vez, a ausência de uma cobertura in loco e o crescimento do chamado “jornalismo de gabinete”.
ORM News: cobertura com informações desencontradas
Nesse período, o ORM News deu o dobro de matérias sobre as ocupações em relação ao G1 PA, que pertence ao mesmo grupo de comunicação ao qual as Organizações Rômulo Maiorana estão vinculadas. Em “Estudantes da UFPA decidem sobre ocupação em assembleia hoje”, informa também sobre as atividades dos alunos antes da reunião, sobre a ocupação que já estava em curso na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), sobre a nota oficial da UFPA e sobre a PEC, de forma superficial. Usa duas fotos, uma sem crédito e outra do Facebook. A notícia foi publicada às 16h57, ou seja, três minutos antes da assembleia. Às 17h24 com atualização às 17h36, informa sobre a decisão dos estudantes de ocupar a UFPA, mas reproduz quase todas as informações da publicação anterior, acrescentando um vídeo do movimento “Ocupa Ufpa” sobre o cortejo feito antes da assembleia.
Ao contrário do G1, o ORM News deu notícias referentes à ocupação durante toda a semana. Às 19h41 do dia 08/11, saiu com a matéria “UFPA: Atividades acadêmicas continuam mesmo com ocupação”. Feita com informações de O Liberal, foi o maior texto sobre o tema até então, ouvindo estudantes e relatando ações de alunos de posicionamento contrário ao movimento, sem a devida contextualização temporal. Antes dessa matéria, publicou “Temer diz que manifestantes não leram o texto da PEC 55”, reproduzida do G1, com destaque às críticas e ironias de Temer ao movimento, mas sem questionar a resposta que ele dá a sua própria pergunta: "Você sabe o que é uma PEC? É aquela proposta de ensino comercial” (sic!). “As pessoas não leem o texto”. Temer também não lê, mas o “jornalismo” não percebe e nem destaca isso.
No dia 9, um texto curto e confuso com enorme foto (reprodução Adufpa) dá informações desencontradas. Publicado às 22h29, diz que os professores “se reúnem em assembleia geral nesta quinta-feira (9), a partir das 15h, no Vadião, no campus do Guamá, em Belém, para decidir sobre uma greve em resposta à PEC 55”. No horário da publicação, a assembleia já teria acontecido, mas o texto não informou se houve adesão e nem quais as reivindicações. Além disso, causa mais confusão citando uma reunião realizada pela manhã e quanto ao Dia Nacional de Greve, restringe-se a comentar que está programado “um ato público” para o dia 11, silenciando sobre as manifestações contra a PEC e governo Temer. No dia 10, em matéria reproduzida de O Liberal às 7h29, traz mais informações e fontes da Adufpa e DCE, informando que os técnicos-administrativos “aprovaram, ontem (9), a deflagração de uma greve a partir desta sexta-feira (11)” e, contraditoriamente à matéria do dia 9 , diz que “Hoje, os professores decidem em assembleia às 15h se aprovam a greve”. Esta matéria foi a maior até então sobre o assunto e, provavelmente por ter fontes, trouxe mais informações sobre as ocupações e sobre “a programação” do dia 11. Ainda no dia 10, às 18h14, publica um pequeno texto com foto e sem ouvir nenhum professor para informar que os professores aderiram à greve, marcada para começar no dia 14. Pela primeira vez nas matérias observadas, dedica-se um espaço para a PEC, abordando seu trâmite no Senado, cuja aprovação na CCJ foi no dia 9.
No dia 11, a matéria “Ato público na Almirante Barroso protesta contra a PEC 55” foi publicada às 10h e atualizada às 11h30. O portal publica várias fotos (avenida tomada pelo protesto; policial e manifestantes separados por uma faixa em contexto de possível confronto) e um pequeno texto, sem entrevistar qualquer fonte, em que não é reportado o que está acontecendo naquele momento, limitando-se a informar o percurso e objetivo da manifestação, em mais uma clara indicação do chamado “jornalismo de gabinete”. Além disso, usa as palavras "protesto" e "Almirante Barroso", o que já é suficiente para destacar o aspecto negativo da manifestação. O texto é concluído com informações gerais e até incorretas, dizendo que os estudantes da UFPA “ocupam os campi da capital e interior desde a última segunda-feira (7)”, quando em vários campi do interior as ocupações já haviam iniciado desde outubro. A breve citação sobre a ocupação na UFRA e a decisão dos professores e servidores da UFPA de apoiar o movimento também reforça o aspecto generalista da “cobertura”. Ao meio dia, a notícia “Estudante é arrastado por carro em protesto contra PEC 55” conta que o atropelamento aconteceu por volta das 9h na avenida Perimetral, usa uma foto de uma estudante em cima do capô de um carro totalmente peliculado enviada pelo WhatsApp e entrevista uma testemunha, uma assistente social da UFRA, que ressalta a natureza pacífica do protesto.
DOL: criminalização do movimento?
Na véspera da assembleia dos estudantes que decidiria pela adesão ou não ao movimento, o Diário Online publicou a notícia “Alunos se mobilizam contra a ocupação da UFPA”, ouvindo alunos do movimento UfpaLivre, contrário à ocupação, e silenciando as vozes favoráveis. O texto é ilustrado com uma fotografia e três prints das páginas do Facebook dos movimentos Ocupa Ufpa e Desocupa Ufpa. Além da manchete e texto, o subtítulo “Votação confusa” sugere aspectos negativos da ocupação. Às 18h44 do dia 7/11, o DOL informa a decisão dos estudantes de ocupar a UFPA. Com mais imagens (a foto, dois prints e um vídeo de usuários do Facebook) do que texto, cita a polêmica entre estudantes contra e a favor e ampara-se na nota oficial da UFPA. No dia seguinte, às 22h25, usando informações do site da Adufpa, diz que “Docentes da UFPA podem entrar em greve”, cita ações realizadas e previstas e contextualiza as ocupações até então.
No dia 10, às 18h33 com atualização às 19h46, informa que “Docentes e servidores da UFPA anunciam greve”. A notícia cita as notas do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) e da UFPA, usa fotografia do Facebook e informações do site da Adufpa, dizendo que o “indicativo de greve da categoria começou (?) em 11 de novembro”. Em outro momento também é explícita a falta de revisão.
Na sexta-feira, dia 11, às 11h21, figura a manchete “Protesto contra PEC 55 tem atropelamento em Belém”. O texto destaca aspectos negativos, dizendo que “os manifestantes chegaram a interditar algumas vias da cidade, como a avenida Almirante Barroso, e um estudante chegou a ser atropelado durante o ato”, tendendo à criminalização do movimento. Sobre o atropelamento, sua fonte foi a Polícia Militar e a fotografia foi a mesma usada pelo ORM News, de WhatsApp. No sábado, dia 12, às 7h35, com o título“Motorista 'fura' protesto e atinge estudante”o texto traz duas fontes: o sogro do motorista e o presidente da CUT. O texto é baseado em reportagem do Diário do Pará e usa uma fotografia da vítima entrando no PSM do Guamá.
Antes dessa semana, o DOL e o ORM News noticiaram a ocupação da Ufopa e de alguns campi do interior. No entanto, este boletim indica a falta de um acompanhamento sistemático por parte dos portais locais que, nitidamente e na maioria das vezes, não fazem cobertura in loco, limitando-se a informações oficiais, como as da Adufpa, PM, CUT e UFPA (no caso desta última, sua nota foi citada diversas vezes, sem, no entanto, remeter ao link) ou ainda de redes sociais, sua maior fonte de fotografias e vídeos. Falta uma abordagem mais humanizada dos fatos e uma maior contextualização, a exemplo da ausência de explicação sobre o que trata a PEC e o que reivindica o movimento. Um tipo de cobertura que prejudica a multiplicidade de vozes e coloca em evidência os riscos do chamado “jornalismo de gabinete”.
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