PEC 55 é "mecanismo do Estado de Exceção''

A Proposta de Emenda à Constituição que congela os gastos públicos pelos próximos 20 anos, chamada na Câmara dos Deputados de PEC 241 e no Senado Federal de PEC 55, foi promulgada nesta quinta-feira (15). No período em que a PEC estiver em vigor, as despesas primárias sofrerão apenas reajuste da inflação. Antes mesmo da votação final no Senado, a Agência Comunicação Ocupada conversou sobre os sentidos e efeitos da PEC 55 com a professora Bárbara Lou, do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará. Bárbara é advogada, doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) no projeto de pesquisa Radiografia do Brasil Contemporâneo. A seguir, os principais trechos do que disse Bárbara à repórter Juliana Araujo.

Professora Bárbara Lou


Desconstitucionalizando direitos

Nunca nenhum país fez uma alteração de regime fiscal via emenda constitucional. Você faz isso com políticas ordinárias específicas de governo, mas não tem necessidade de fazer uma alteração na Constituição para imobilizar direitos, como está sendo feita agora.

Você está fazendo, na verdade, uma reforma do Estado sob a justificativa de alteração do regime fiscal. Por isso que a PEC 55 não é o que ela diz que é.

A PEC é uma alteração dos direitos da Constituição. Ela está desconstitucionalizando direitos.

É como se nós construíssemos outra Constituição, uma Constituição sem direitos, só com o capítulo da desregulação financeira, inocentando o setor financeiro de responsabilidade e acabando com direitos como salário mínimo, previdência, saúde, educação, seguridade social.


Problema é arrecadação, não gasto

A emenda constitucional não resolve o que ela diz para o público que vai resolver, isso é importante falar. Porque o principal é o nosso problema fiscal e ele não é de gasto, é de arrecadação. Está relacionado com três coisas: 

(1) Desonerações fiscais irresponsáveis sem contrapartida. Tem uma série de empresas que recebem desonerações fiscais, muitas delas são credoras do próprio Estado. A própria desoneração pagaria os juros da dívida pública; 

(2) O aumento de juros. O nosso país é um dos que têm os juros mais altos. Se você for comparar, o mercado internacional tem 1.4, 1.2 de juros. Nós cobramos 14% de juros aqui da dívida pública; 

(3) E a questão tributária. Quer dizer, o nosso sistema é extremamente regressivo. Quem sustenta 47% do Estado é quem ganha até 3 salários mínimos. ICMS? A pessoa que ganha até 1 salário mínimo vai pagar o mesmo ICMS do arroz que a pessoa que ganha 10 salários mínimos. Isso é só um exemplo, eu posso dar inúmeros. Só dois países no mundo não tributam a renda do sistema financeiro: a Estônia e o Brasil. Todos os outros tributam os ganhos com renda financeira.


Maiores gastos desregulamentados

A PEC não faz aquilo que diz que vai fazer, que é justamente produzir crescimento econômico, produzir uma responsabilidade fiscal maior dos gastos. Porque os maiores gastos estão justamente sob desregulamentacão. Uma desregulamentação maior. Os menores e mais importantes, porque vão dinamizar a economia, esses são extirpados. O investimento público acaba nessas áreas que dinamizam a economia, que geram demanda, que geram consumo.


Destrói o social, protege o financeiro

É destruir totalmente essa estrutura que sedimenta um Estado protecionista - um Estado-mulher, da seguridade social - e proteger o sistema financeiro. Proteger por quê? Porque a fiscalidade relacionada ao setor financeiro vai ficar completamente livre. Para quê? Para a corrupção, para a lavagem de dinheiro, porque você não sabe de onde está vindo e para onde está indo o dinheiro. Você pode até combater a inflação, mas não vai ter crescimento. Você vai aproximar o Brasil de uma economia-mundo muito frágil. Burkina Faso, Guatemala... Não faz sentido pra própria potência que é o Brasil.


A morte como metáfora e resultado

Não é a toa que chamam de PEC da morte, PEC do fim do mundo, PEC zumbi, como se você tivesse realmente matando pessoas. Vamos pensar assim: se você reduz mais da metade do investimento em saúde e educação e ao longo do tempo há um crescimento exponencial da população, muitas pessoas vão morrer.


Afetando estados e municípios 

Você tem uma vinculação não só dos gastos que a União tem que fazer. Na Constituição, temos um mínimo relacionado à receita que você tem que gastar com saúde e educação. Além disso, você tem um fundo que tem que repassar, dentro desse ganho, para os municípios e estados. É a União que tem que fazer o repasse desse dinheiro para saúde e educação. Se você afeta os gastos da União, você imediatamente também afeta os estados, apesar de a PEC não os mencionar.


Da inconstitucionalidade ao Estado de Exceção

O próprio corpo técnico do Senado produziu um documento sobre essa inconstitucionalidade. Entre outras coisas, uma delas é que a PEC afeta a separação de poderes, porque ela define que só o Executivo vai ter controle sobre o orçamento. Ou seja, não só tem o controle da proposta de iniciativa, mas fixa como vão ser os gastos, e isso fere uma das cláusulas pétreas da Constituição, que é a separação de poderes. 

Ela fere pelo menos cinco direitos e garantias fundamentais - direito à universalização da educação e saúde, à seguridade social -, ela fere a questão da lei do salário mínimo… Realmente é uma PEC que visa criar uma outra Constituição e é por isso que ela, dentro da Constituição, é um mecanismo do Estado de Exceção. É como se você estivesse usando os próprios procedimentos constitucionais para criar um outro tipo de Constituição.

Por isso é um golpe, porque eles usam da própria Constituição para acabar com a ordem que fundaria a legitimidade dela. Por isso que se aproxima de um Estado de Exceção, porque são diversas medidas tomadas por órgãos técnicos que nunca estão sob diálogo.O Poder Executivo nem foi pra Comissão de Assuntos Econômicos, nem pra Comissão de Constituição e Justiça pra defender a sua proposta. Nem lá dentro eles buscaram discutir a proposta. E o pedido de urgência da Câmara foi feito sob o argumento de “necessidade”. Mesmo que seja inconstitucional.

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