Faculdade de Arquitetura da UFPA exibe "Aquarius" e traz o debate sobre opressão e resistência


A especulação imobiliária é um dos fios condutores do filme brasileiro Aquarius, aclamado pela crítica em 2016. O longa-metragem conta a história de Clara, interpretada por Sonia Braga. Ela é uma jornalista e escritora aposentada que mora em um prédio antigo, que dá nome ao filme, na Praia de Boa Viagem, no Recife.

A personagem sofre pressão de uma construtora para vender o seu apartamento, pois todos os outros já foram comprados pela empresa para dar lugar a um grande empreendimento imobiliário de luxo.

Nos últimos anos, as grandes cidades têm passado por um processo contínuo de verticalização que tem como base a venda de uma qualidade de vida, um estilo que atende aos anseios de uma determinada classe social.

A professora Roberta Rodrigues da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA entende que o ambiente urbano tornou-se um campo de disputas por recursos e melhores localizações e o mercado imobiliário joga sistematicamente com isso para satisfazer os seus interesses.

Nesse sentido, “é óbvio que comunidades e populações mais pobres estão, em certos momentos, talvez mais expostas a determinados processos que podem incluir a expulsão ou a remoção de forma desfavorável”, analisa a professora.

No filme, a personagem de Sonia Braga dispõe de um suporte financeiro e jurídico para enfrentar toda a pressão imposta pela construtora, enquanto na vida real comunidades mais desfavorecidas que lidam com esses processos, não dispõem desse suporte.

Segundo a professora, o discurso da violência, que de fato existe, que é usado por esses empreendimentos promove uma autosegregação ao encobrir uma série de processos sociais que vulnerabilizam a população mais pobre. “Então, como é que se lida com isso? Claro que o papel do poder público é muito importante nessa mediação”, afirma.

Para a professora, é preciso estar atento aos processos de renovação urbana e valorização imobiliária que, às vezes, têm o discurso de limpeza social presente. “É muito forte o discurso da modernização, mas é onde os direitos sociais são sistematicamente desrespeitados. Então, isso tem muito a ver com as lógicas que temos vivenciado em muitas cidades.”

O filme Aquarius chamou a atenção do mundo quando o elenco usou cartazes no Festival de Cannes denunciando que o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff era um golpe.

Para o antropólogo e professor da Faculdade de Museologia da UFPA, Hugo Menezes, o longa não se tornou político por causa do protesto, mas sim pelo seu próprio conteúdo representado na figura emblemática da personagem Clara, que resiste às invertidas do mercado imobiliário.

“Podemos traçar um paralelo entre a Clara e as ocupações porque ela é uma figura da resistência. Resiste ao mercado, à opressão dos grandes empresários e empreendimentos no Recife. A Clara de algum modo se coloca como uma ocupante da sua própria casa, nesse sentido metafórico, porque ela sofre todo tipo de violência, todo tipo de desqualificação, ela é chamada de louca, de egoísta.”

Para o antropólogo, mesmo com a diferença de contextos é possível captar semelhanças entre a personagem e os ocupantes das instituições de ensino atualmente. “Ela sofre na mesma medida que os ocupantes hoje, que fazem manifestações nas universidades e escolas secundaristas, ela sofre severas retaliações. Então, por isso que ela emblematiza essa coisa de ocupar, porque resiste, é desobediente e subversiva como a personagem da Sonia Braga é no filme”, analisa o professor.

Os dois professores participaram do CineFau da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA que sempre realiza a exibição de um filme seguido de um debate sobre o tema abordado. Hana Carvalho é uma das ocupantes da Faculdade e organizou a edição do CineFau que exibiu Aquarius. A estudante achou importante trazer o filme para debate nesse momento.

“Nada mais pertinente que trazer um filme de resistência para o debate em um movimento de resistência. Nós convidamos uma professora com uma visão da arquitetura, da questão do mercado, habitação, especulação imobiliária e uma outra visão mais antropológica, mais diferente pra fazer esse contraponto que não se chocasse mas que se somasse.”

O CineFau vai continuar durante a ocupação da faculdade sempre com uma temática diferente.
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